Política e cultura brasileira perdem Carlos Nelson Coutinho

A seguir, reproduzimos,  na íntegra, texto do professor Luiz Sergio Henriques, companheiro de Carlos Nelson Coutinho e Marco Antonio Nogueira no importante empreendimento da edição temática dos Cadernos do Cárcere, de Antonio Gramsci. Atendemos, assim, um pedido do professor Raimundo Santos, do CPDA da UFRRJ, que deseja não apenas comunicar a morte de Carlos Nelson Coutinho, mas o legado que ele deixa para os brasileiros.


Luiz Sergio Henriques

Nascido em Itabuna, na Bahia, em 1943, morreu nesta manhã de 20 de setembro, no Rio de Janeiro, o filósofo e cientista político Carlos Nelson Coutinho. Professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde lecionava na Escola de Serviço Social, Carlos Nelson deixa um legado amplo na área da produção cultural e também na área política. 

Militante do PCB por muitos anos, desde a juventude, Carlos Nelson escreveu mais de uma dezena de livros, a começar por Literatura e humanismo, lançado no final dos anos 1960 pela Editora Civilização Brasileira, de Ênio Silveira. Em Literatura e humanismo, já estão presentes algumas qualidades que o distinguiriam nos anos seguintes, como a clareza de pensamento, a escrita elegante e a percepção refinada de autores fundamentais, como atesta o ensaio sobre Graciliano Ramos. Também neste livro inaugural está presente a influência decisiva do filósofo húngaro Georg Lukács, cujas ideias sobre o realismo norteavam as pesquisas do então jovem crítico brasileiro. 

Nos anos 1970, Carlos Nelson conheceu o exílio em Bolonha – terra em que se afirmara por décadas o seu amado Partido Comunista Italiano, outra das referências político-intelectuais imprescindíveis para entender o nosso autor – e, posteriormente, em Paris. Foi membro eminente do “grupo de Armênio Guedes”, que, dentro do PCB, buscava a renovação do comunismo brasileiro a partir da questão democrática, vista – a democracia – como a alternativa mais produtiva aos caminhos e descaminhos da modernização “prussiana” do capitalismo brasileiro, que havia conhecido um novo impulso a partir da ditadura implantada em 1964. 

Neste sentido, Carlos Nelson se notabilizou, já na volta do exílio, pelo ensaio “A democracia como valor universal”, fortemente inovador na cultura comunista, exatamente por ter como assumida fonte de inspiração o pensamento político amadurecido em torno do antigo PCI, muito especialmente Enrico Berlinguer e Pietro Ingrao. A partir deste momento, incorpora-se vigorosamente à reflexão de Carlos Nelson a presença de Antonio Gramsci: pode-se dizer que, a partir de uma original interpretação de Lukács e Gramsci – isto é, dos temas da ontologia do ser social e da política tal como estabelecida nos países de estrutura “ocidental” –, tenha se estruturado a produção posterior de Carlos Nelson Coutinho, até o livro mais recente, De Rousseau a Gramsci. Ensaios de teoria política, publicado em 2011.

Nos últimos meses, mesmo abalado pela doença, Carlos Nelson dedicava-se a uma história da filosofia, testemunho da enorme erudição e inquietação intelectual que o acompanhou por toda a vida. A partir dos anos 1990, com a crise do PCB, Carlos Nelson passaria pelo PSB (expressão do seu interesse pelo socialismo democrático), pelo PT e, a partir de 2003, pelo PSOL. Estas opções políticas, naturalmente, deixaram marca na produção teórica do nosso autor, que está destinada a ser tema de estudos e reflexões por parte de todos aqueles que se preocupam com o destino do humanismo, da democracia e do socialismo no nosso tempo.

*Luiz Sérgio Henriques é editor do site Gramsci e o Brasil, ensaísta, tradutor e um dos organizadores das obras de Antonio Gramsci em português, especialmente a nova edição das Cartas do Cárcere. 

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